22 de agosto de 2014

Entrevista a Jorge Leitão do publicos.pt

Trocamos uns emails com Jorge Leitão, responsável pelo projecto publicos.pt para saber um bocado mais sobre o projecto:

1) Obrigado por aceitares responder a algumas perguntas para publicar no opendata-pt. Podes falar-nos um bocado de ti? De onde és? Qual é o teu background académico e profissional?

Antes de mais, muito obrigado pelo convite para estar no opendata-pt. É um blog que sigo e que me mantém a par das coisas que se passam no opendata em Portugal.

Originalmente sou de Faro, no Algarve. Aos 18 anos decidi seguir física, e o meu percurso foi nesse sentido: tirei o curso na Universidade do Porto, e fiz o meu mestrado lá também. No último ano de mestrado tive a oportunidade de fazer a minha tese de mestrado no Max Planck Institute para a Física de sistemas complexos, em Dresden, Alemanha, onde me encontro a tirar o meu doutoramento.

Paralelamente a isso, sempre me interessei por programação, e o publicos.pt surge como um passatempo. A vantagem deste passatempo é que hoje faço física e web-development, e isso mantém-me um conjunto de portas abertas tanto no meio académico como no meio empresarial.

2) De onde surgiu o interesse por estes temas? open data, transparencia governamental, etc

Com o tempo fui-me apercebendo que dados governamentais têm um potencial por explorar:
  • Na componente cívica, parece-me um processo natural numa democracia do Séc. XXI o estado disponibilizar dados para serem escrutinados pelos cidadãos; algo que nunca antes foi possível com esta dimensão.
  • Na componente científica, acho que há várias ideias que até hoje não tinham como serem testadas, e esta abertura de informação permite testá-las. Isto tem acontecido em diferentes ramos, e áreas como a da administração pública não são excepção.
  • Na componente comercial, vejo que os dados abertos têm um enorme potencial, tanto ao nível de prestação de serviços, como ao nível de consultoria.

3) Quando é que colocaste online a primeira versao do publicos.pt? Tens estatísticas de uso que possas partilhar connosco?

A primeira versão do públicos ficou online em Novembro de 2013. Hoje somos visitados diariamente por mais de 1000 pessoas, onde mais de 90% vêem de buscas google. Um factor relevante para nós é que durante o fim de semana este número é 3 vezes inferior, o que indica que as pessoas usam o publicos.pt como uma ferramenta de trabalho.

4) O projecto é open source, tens tido contribuições de outras pessoas?

A principal razão para ser open source é a reprodutibilidade: queremos garantir que a obtenção dos dados e as análises estão acessíveis a qualquer pessoa. Temos tido contribuições de pessoas ligadas à área de open data, como o Ricardo Lafuente e o Helder Guerreiro, que têm contribuído com várias sugestões e ideias. No entanto, o projeto ainda não chegou à massa crítica em que as pessoas contribuam código.

5) No website diz que os objectivos do publico.pt sao ajudar empresas e cidadãos a ter melhor acesso a informação pública, e ajudar cientistas e quem pensa na legislação a ter uma ferramenta para estudar os dados abertos portugueses. Sentes que o publicos.pt tem cumprido esses objectivos? Em que aspectos poderia ser melhor?

O nosso principal objetivo até agora tem sido posicionar-mo-nos num nicho de mercado: contratação pública. Neste sector, somos os únicos (em concorrência directa com o site oficial) a oferecer uma ferramenta para as empresas portuguesas consultarem a contratação pública portuguesa, inteiramente grátis. Ao mesmo tempo, mantemos uma forte componente cívica. Neste sentido, achamos que sim, temos cumprido o nosso objetivo ao oferecermos um produto que muitas pessoas usam diariamente.

Na perspectiva cívica, temos tido várias análises divulgadas pelo blog Má Despesa Pública, que tem sido quem mais divulga o publicos.pt. Temos também recebido feedback de algumas pessoas ligadas a ciências políticas, como o Pedro Magalhães, e tivemos também um artigo no blog oficial da comissão europeia para a informação pública.

Subjacente a vários dos problemas que temos, penso que neste momento a principal limitação é este ser um projecto executado por mim, e eu não estou em Portugal. Por exemplo, gostaria de poder ter apresentado o publicos.pt no cidadania 2.0, mas não vou poder lá ir. Falta-nos uma âncora em Portugal.

6) Qual é que achas ser o principal entrave ao uso destas plataformas? Falta de divulgação? Falta de interesse do publico em geral?

Na verdade, não acho que temos tido muitos entraves no uso da ferramenta, antes pelo contrário: estamos entre os 7.000 websites mais visitados em Portugal segundo o ranking Alexa a menos de 1 ano do lançamento, e com um orçamento anual de ~160€. Como termo de comparação, o dados.gov.pt, lançado à quase 3 anos e com um orçamento anual certamente superior ao nosso, não aparece no ranking Alexa nacional.

Acho que por vezes o entrave em alguns dos projectos deste género está na falta de um produto com valor para um dado público alvo. No caso do publicos.pt, sabíamos que se o nosso público fossem cidadãos curiosos na contratação pública portuguesa, teríamos um impacto muito limitado. Assim, o nosso objetivo foi criar uma ferramenta de trabalho para empresas, e complementar isso com uma forte componente cívica. E isto tem tido consequências interessantes: pessoas que usam o públicos como ferramenta de trabalho acabam por espreitar áreas mais cívicas a partilha-lhas nas redes sociais. Penso que esta é uma forma muito eficaz de explicar às pessoas a importância dos dados abertos.

7) Achas que fazia sentido este tipo de serviço publico ser mais apoiado pelo estado? Em que medidas é que seria possivel um maior apoio sem entrar em questões de controle?

Concordo que o estado deve ter formas de financiar este tipo de projetos, e acho que isso já acontece por diferentes mecanismos que garantem alguma independência, como o financiamento de fundações e organizações. Dito isto, acho que existem problemas no método de avaliação. O estado poderia ser mais cuidadoso na medida em que, na minha opinião, dá demasiado valor à imagem em detrimento de um bom return on investment. Nesse sentido, sim, acho este tipo de serviço público é cilindrado por organizações com maior investimento na imagem, mesmo quando isso não trás um serviço público melhor.

8) Em alguns paises existem secretariados de certos departamentos que se dedicam a estudar o estado da arte do que se faz noutros paises e sugerir legislação das boas práticas dos dados abertos no próprio país. Tens conhecimento de algo semelhante em Portugal?

Não. O que conheço mais próximo de estudo é a Transparência e integridade, que tem proposto medidas concretas de combate à corrupção e maior transparência. Na área de dados abertos, talvez o mais próximo que conheço seja a Agência para a Modernização Administrativa, mas não conheço nenhum relatório ou policy paper deles. Mas eu também não sou a melhor pessoa para responder a isso pois não conheço muito bem a comunidade de dados abertos em Portugal.

9) Qual é o teu roadmap para futuros desenvolvimentos do publicos.pt?

A curto prazo, temos planeado um mapa do país interativo, usando os dados abertos da direcção geral do território, para os utilizadores poderem selecionar contratos e entidades por região do país. Isto já está quase pronto e incluiu cruzármos informação de duas bases de dados públicas.

A médio prazo, temos planeado incorporar a bases de dados da lei portuguesa no nosso principal produto. Isto permite-nos entrar num segmento de mercado mais competitivo - a disponibilização da lei portuguesa - com uma abordagem diferente, mais focada no que as empresas procuram. Desenvolvemos recentemente uma aplicação open source, Django-SphinxQL, que esperamos ser-nos útil para recomendarmos leis a utilizadores que visitam a página de uma determinada entidade ou contrato.